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quarta-feira, 10 de março de 2010

Resenha - Benjamin Constant - Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos

Benjamin Constant (1767-1830)



Todo o discurso de Constant recai sobre o dualismo entre a liberdade dos antigos e a liberdade dos modernos. O autor alega que cada uma é atribuída a determinado momento histórico; transplantá-las para fora de seus contextos seria um engano que poderia causar muitos males à nação. O autor, calvinista, se posiciona politicamente na esquerda-liberal.

Nota-se que Constant trabalha com dois elementos para caracterizar o conceito de liberdade: primeiro a liberdade individual, e enfim a liberdade política. Quando o autor se refere à liberdade dos modernos, ele leva em consideração o conceito de liberdade das grandes nações do capitalismo da época — a França, os Estados Unidos da América e a Inglaterra — e quando se refere à liberdade dos antigos ele cita Esparta, Atenas, Roma, dentre outros.

A liberdade moderna consiste no direito do indivíduo não se submeter a nada senão às leis; é o direito à propriedade privada; à liberdade de expressão; de ir e vir; tudo sem repreensão por efeito de uma vontade arbitrária de um ou vários indivíduos; em um vocabulário hobbesiano, é a liberdade sem coerção. Neste tipo de liberdade deve-se predominar a atividade política representativa, a soberania política dos indivíduos é restrita, podendo ser considerada uma suposição abstrata; a participação política dos cidadãos é indireta. Por outro lado, o indivíduo desfruta de uma liberdade privada exacerbada.

A liberdade dos antigos, por outro lado, consiste em exercer o pode político de maneira coletiva e direta, os cidadãos exercem influência real no poder. Este tipo de liberdade pressupõe, entretanto, a submissão sem reservas do indivíduo à autoridade do todo social, pois toda a ação privada está sobre constante do mesmo. Há, portanto, uma contradição: participação direta na política, contudo ínfima liberdade individual; o inverso da liberdade dos modernos.

Para demonstrar o porquê dessas diferenças, o autor descreve as nações modernas e os Estados antigos, ambos caracterizados sob a ótica de três aspectos: extensão territorial, atividade econômica e forma de trabalho.

Os estados Antigos eram territorialmente pequenos, portanto seus recursos eram insuficientes para suprir todas suas necessidades. Inevitavelmente, possuíam um espírito belicoso, pois era a única forma desses Estados obterem os recursos necessários para subsistirem, conseguindo aquilo que precisavam através da guerra. Existia, portanto, em estado de constante pressão e insegurança, os Estados atacavam-se com certa freqüência, a preocupação com a guerra era contínua, esta tensão impedia o florescimento do comércio. Da guerra eram extraídos escravos destinados ao penoso trabalho mecânico-braçal. A escravidão compunha um elemento importante à liberdade dos antigos, sem ela os cidadãos não teriam a disponibilidade de tempo que a atividade política exige.

As nações modernas, por outro lado, ocupam grandes extensões territoriais, impossibilitando que seus cidadãos se reúnam, assim como nos governos antigos, em praça pública para deliberarem sobre questões do Estado. O trabalho escravo está extinto neste período; a grande massa da população era composta por trabalhadores assalariados ou, em menor número, pelos detentores dos meios de produção — Constant aparentemente dialoga com este último. Não há tempo hábil, portanto, para o homem moderno concentrar-se integralmente na política do Estado. Devido a sua grande extensão, observam-se duas características: primeiro, a guerra nestas circunstâncias trariam mais custos que benefícios; segundo, em virtude disso, o comércio é o meio mais viável de conseguir recursos externos nos tempos modernos.

A guerra é, portanto, anterior ao comércio. Esta é uma crítica que Constant desfere aos políticos franceses que cultivavam o espírito de guerra; para o autor, a guerra é inteiramente incompatível com as nações modernas.

Em um ataque furioso de argumentos liberais, Constant defende firmemente o comércio, que, segundo ele é uma atividade feliz dos homens modernos, pois mergulhados em suas esperanças, expectativas e nas especulações de seus empreendimentos, os homens modernos não se sentiram bem frente à ociosidade idêntica à dos povos antigos.

O autor diz que “o comércio inspira aos homens um forte amor pela independência individual. O comércio atende suas necessidades, satisfaz seus desejos, sem intervenção da autoridade”. Constant critica severamente os Estados que intervêm na economia, “ todas as vezes que os governos pretendem realizar negócios, eles o fazem menos bem e com menos vantagens que nós [cidadãos]”.

Constant censura a Revolução Francesa, que não foi capaz de distinguir os dois tipos de liberdade. Mas, entende que os erros são justificáveis devido à ausência de uma base teórica que tivesse percebido estas alterações na noção de liberdade. Constant critica especialmente dois teóricos, a J.J. Rousseau e ao abade de Mably, que defendiam a extensão do poder das leis, as quais deveriam influenciar diretamente na vida privada do indivíduo; acreditavam, também, que tudo deveria ceder frente à vontade coletiva e que todas as restrições aos direitos individuais seriam largamente compensadas pela participação no poder social.

O próximo apontamento de Constant é sobre a natureza das instituições. As instituições livres sobreviveram, enquanto as antigas desmoronaram, pois eram instituições que feriam a liberdade individual nos tempos modernos.

O exílio político não faz mais sentido nas nações modernas, pois a participação do indivíduo na política já é bastante limitada frente a grande massa de influências. A transplantação dessa censura para outras esferas também deve ser evitada, caso que não ocorre, por exemplo, com a educação dada pelo Estado; para o autor cada indivíduo tem o direito de desenvolver suas próprias faculdades sem qualquer tipo de interferência.

Constant pondera que o comércio limita a arbitrariedade do governo sobre nossa existência, pois a propriedade é apenas usufruto, e o usufruto pode ser regulado pelo governo, mas a circulação põe um obstáculo invisível a isso. Além do mais, a circulação gera crédito, que torna a autoridade dependente.

A ultima discussão desse texto versa sobre a participação dos indivíduos modernos na política, o autor admite que o cidadão moderno frequentemente negligencie sua participação política. Como já discorrido, o moderno não possuem tempo hábil para exercer plena função política da mesma forma que os antigos, pois isso lhes custaria à liberdade individual, que é sagrada para o autor. Daí a necessidade do sistema representativo, que se constrói sobre a procuração dada a certo número de homens pela massa do povo, que deseja ter seus interesses defendidos e não tem, no entanto, tempo para defendê-los sozinho.

Os cidadãos de um governo com sistema representativo têm a obrigação de exercer constante vigilância sobre seus representantes e cabe-lhes o direito exclusivo de afastá-los, caso tenham traído suas promessas, assim como o direito de revogar os poderes dos quais eles tenham eventualmente cometidos excessos.

Para o autor, o grande risco do governo representativo é que os indivíduos possam negligenciar a política. Faz parte do esforço de alguns governantes para que isso seja efetivado e a participação política do indivíduo seja apenas funcional: pagar impostos e obedecer às leis.

Sem apresentar uma solução palpável, Constant apela para o sentimento de patriotismo, associando-o à necessidade de que os cidadãos exerçam sua atividade política.

Concluindo, Benjamin Constant faz um pequeno resumo de seus ideais: conciliar as instituições à liberdade dos modernos; extinguir a educação moral; e respeitar a liberdade individual dos cidadãos, sem, no entanto, excluir a população da atividade política.

Da liberdade dos antigos comparada a dos modernos é uma obra interessante, que vale a pena ser lida na íntegra. Como podemos perceber, ela carrega diversos aspectos ainda presentes no nosso século, sendo uma das obras fundadoras do Estado Moderno como o conhecemos. Do meu ponto de vista, apesar de sua análise ser parcial, dúbia pelos seus argumentos não muito trabalhados, é uma leitura fundamental pela atualidade de suas idéias.*



* Talvez eu elabore posteriormente as implicações das idéias do autor na atualidade em um adendo específico.

3 comentários:

Maysa disse...

Olá, estou fazendo um trabalho sobre esse texto na faculdade, sua resenha me ajudou muito.. muito boa! :)

Nilo Costa disse...

Creio haver um erro de digitação ou de interpretação onde se coloca que o autor preconiza a extinção da educação moral. O que interpretei no texto original é que o autor coloca que o estado deve "terminar" a educação moral, no sentido de dar "acabamento", "elevação", "formação".
Se alguém quiser contribuir com esclarecimento da dúvida, agradeço.

Daniel Almeida disse...

Boa resenha. Muito útil para ajudar na interpretação do texto. Obrigado por compartilhar!